Entrevista com Edo Rocha – Arquiteto, Edo Rocha Arquiteturas
Edo Rocha é arquiteto urbanista, diplomado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, em 1973, é o Diretor Presidente da empresa Edo Rocha Arquiteturas, fundada em 1974 e com mais de 40 anos de experiência no planejamento e na arquitetura de edificações, espaços interiores, urbanismo, aeroportos, shopping centers, arenas esportivas, estádios, entre outros. É fundador do Consórcio ABSIC Brasil, primeiro consórcio licenciado pela Universidade Carnegie Mellon fora dos Estados Unidos, com objetivo de realizar pesquisas e desenvolver produtos para melhorar a qualidade e o desempenho dos edifícios, a saúde e a produtividade de seus ocupantes. Membro da Asbea – Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura e conselheiro do
MAM – Museu de Arte Moderna, em São Paulo. São mais de 1.000 projetos assinados e 15.000.000 m² projetados. Seus principais valores são: a sustentabilidade, a reciclagem da arquitetura – retrofit – e a inovação. Possui mais de 680.000m² de projetos com certificação LEED concedidas pelo Green Building Council Brasil, onde é membro do Conselho Administrativo. Com mais de 40 anos de experiência como Artista Plástico, Edo Rocha participou de diversas Bienais, exposições em Galerias de Arte e Museus, nacionais e internacionais.
Como você avalia o crescimento da construção sustentável no Brasil, não só em termos de certificações, mas também da aplicação de conceitos de sustentabilidade nos projetos?
Edo Rocha: Eu vejo dois aspectos importantes em termos da sustentabilidade avançando no Brasil. Primeiro que, no início era difícil
convencer pessoas, empresários e investidores da importância do conceito de sustentabilidade, mas hoje em dia eles já mudaram de
opinião e acham que, de fato, é um assunto importante, que tem uma relevância que anos atrás não havia. Num segundo momento, a sustentabilidade era um aspecto muito mais de marketing e hoje é uma realidade como valor agregado ao imóvel como economia na operação. Hoje o imóvel certificado tem um aspecto muito mais econômico em relação a operação que um imóvel não certificado ou não sustentável. Fazer bem feito ou fazer mal feito acaba custando a mesma coisa, então é melhor fazer da maneira correta. O que acontece é que há uma diferença muito grande para o operador e para o usuário, mas antes o investidor e o incorporador achavam que isso não era importante. Porém esse argumento virou um aspecto importante de venda, pois o prédio gastar menos energia é importante para o usuário. Essa foi a grande mudança de consciência.
Como definir a importância dos quesitos saúde e bem-estar na arquitetura?
ER: A sustentabilidade de uma maneira geral se apoia em três itens. O primeiro é a conservação de energia, pois sem ela não estamos falando em sustentabilidade. Os outros dois são o uso racional da água e a energia humana, ou seja, o lugar que faz bem, proporciona satisfação e não me exaure fisicamente. São três pontos que são extremamente importantes na sustentabilidade. E tudo isso com um único objetivo: não gerar de emissão de CO2. Se isso não for o item principal entre os 10 mandamentos da sustentabilidade, então não conversamos sobre sustentabilidade. Nós cometemos um grande erro aqui nos edifícios do Brasil, pois, como nós não temos inverno, os prédios não tem isolamento térmico e por isso gasta-se muita energia pra refrigerar os ambientes e precisamos ter consciência disso. A minha recomendação, em termos de soluções, seria isso: se não tiver isolamento térmico, o calor intenso aquece a estrutura e no final tem que se usar muito ar condicionado pra refrigerar um espaço que poderia estar isolado termicamente. Não tem nada pior em termos de sustentabilidade do que o concreto aparente, por exemplo. Ele é a antítese da sustentabilidade pois ele esquenta, é escuro e transmite toda a radiação pra dentro do edifício.
Na sua opinião, o que é necessário para uma boa arquitetura sustentável? Em termos de eficiência energética, respeito aos recursos naturais, soluções arquitetônicas e tecnológicas, o conforto e o bem-estar.
ER: Vou falar sobre os aspectos do conforto e como se percebe esse conforto. São, em princípio, 3 modalidades: o conforto físico, onde a arquitetura trabalha; o conforto ambiental onde os analistas e psicólogos trabalham a parte psicológica das pessoas e o conforto espiritual, que se busca através das diversas religiões. Quando falamos sobre conforto, dizemos que é uma sensação percebida pelos 5 sentidos: tato, olfato, visão, audição e paladar. Quando você junta estes 5, acaba criando um sexto sentido que chamo de TOVAP [a palavra é uma abreviação dos cinco sentidos, e significa exatamente a somatória destes sentido]. Um claro exemplo de TOVAP é quando você está à mesa e todos os seus sentidos estão ligados. E cito ainda o sétimo sentido: a percepção do espaço. Junta-se esses sete e se tem uma visão mais apurada e integrada do que é conforto. Com relação à saúde, ela está ligada a arquitetura em um aspecto muito importante: a respiração, o ar. De acordo com a OMS, a contaminação do ar que a gente respira é responsável por 75% das doenças que contraímos. Um sistema de ar condicionado mal dimensionado pode ser um condicionante de dores muscular e dores nas costas, por exemplo. E um outro aspecto importante é a ergonomia, que tem a ver com a parte física corporal, com a coluna. Enfim, existem muitos elementos que provocam mal estar e desconforto na arquitetura.
A preocupação com os ocupantes e seu bem-estar é fundamental em um projeto de escritórios, onde as pessoas passam a maior parte do tempo trabalhando. Como isso se manifesta na prática nos seus projetos?
ER: O escritório não é só o lugar em que você passa a maior parte do tempo, mas onde se estabelece que a relação da percepção do bem-estar dentro do espaço de trabalho é um aspecto extremamente importante, e tem a ver de novo com todos os sentidos que falei. Tem a ver com a visão, no caso da iluminação, com o olfato, com audição e o tato que são as percepções que temos em especial entre o seu corpo e o mobiliário, a cadeira, o móvel, além da relação com o espaço como um todo. Essa é a habilidade que o arquiteto tem que ter de entender isso e transformar num aspecto de conforto e não necessariamente em um aspecto de décor. A acústica é assunto muito importante mas quase ninguém entende disso e os lugares se tornam extremamente irritativos porque não tem essa boa solução para esse problema. Tenho vários projetos onde estes elementos sempre são levados em consideração. Por exemplo, a sede do Santander onde fez-se um trabalho acústico perfeito. Lá os móveis foram todos desenhados para que eles façam parte da acústica do ambiente, com índice de reverberação bastante grande. A sede da TV Globo, em São Paulo, é outro exemplo interessante. Lá não só foi planejada toda a questão da arquitetura, mas também do mobiliário e acústica o que resultou num índice de reverberação baixo. E tem projeto da HP com novas maneiras de trabalhar e novos equipamentos. Por fim, cito também a sede da Souza Cruz, um dos últimos projetos que fizemos, com um resultado estético e de conforto bastante interessantes. Todas as mesas foram desenhadas, o espaço tem uma qualidade acústica e de iluminação excelentes e tem toda uma série de percepções onde as pessoas conseguem expressar a manifestação de conforto do antes e do depois.
Recentemente você lançou um livro sobre o conforto na arquitetura e no design. Esse tema tem muito a ver com as questões aqui levantadas nessa edição, que dizem respeito à relação entre a edificação, os seus ocupantes e o meio ambiente. Como equacionar essa relação no projetar?
ER: O livro tem basicamente 10 capítulos, onde eu falo sobre essa percepção do conforto na arquitetura e sobre a consciência disso. O conforto não tem uma regra, é extremante subjetivo, varia de cada pessoa. Ele muda com o passar do tempo, você vai envelhecendo e mudando a percepção de conforto. Explico ainda os 5 sentidos, a criação do sexto sentido, o TOVAP, e o sétimo sentido que é a percepção do espaço, como você entende e sente a arquitetura. Por exemplo, você deve ter em sua casa o lugar que mais gosta, e onde se sente mais confortável. Você cria suas referências ou desenvolve essa percepção de conforto nesse lugar. Falo também sobre o conforto na arquitetura, esse sétimo sentido que é expresso pela sua emoção ao se relacionar com uma edificação. Quando você tem uma experiência marcante com algum local que te desperta uma sensação tão forte a ponto de lhe tirar o ar, esse é o sétimo sentido. No livro cito ainda a influência da tecnologia e como ela muda a percepção de conforto através dos anos. Falo também sobre um elemento importante para o conforto: a areia. Da areia fez-se o vidro e isso transformou o conforto do homem, que fez as lentes, o microscópio, o telescópio, a televisão, a tela do computador, do celular, os transistores, as lâmpadas, e muito mais. O vidro, através das janelas e das portas, representou um grande carimbo da arquitetura. Quando você olha uma janela ou uma estrutura arquitetônica, já sabe se é neoclássico, colonial, e por aí vai.
Fale um pouco da importância do GBC, que agora em 2017 completa 10 anos no Brasil.
ER: No começo tinha um certo receio sobre se o trabalho desenvolvido pelo GBC seria bem aceito aqui. Mas tive uma grata surpresa ao ver como o GBC foi abraçado no Brasil e como teve essa aceitação tão grande. Isso é de uma importância única. O Brasil é um dos países com maior número de projetos em aprovação. Eu diria que no final o conceito foi aceito. Essa é a importância que vejo como resultado. Também acredito que a iniciativa do GBC Brasil CASA terá uma repercussão bastante interessante. É um começo muito promissor e há uma expectativa que terá um bom resultado.
Entrevista retirada da 11ª edição da Revista GBC Brasil | Publicado em 23 . 11 . 2017