Arte e Aço

A Arte e o Aço Edo Rocha Arquiteturas

Arte e Aço, por Edo Rocha

Edo Rocha Arquiteturas | O ferro, o aço, o aço corten e o aço inox sempre foram materiais usados por artistas plásticos em seus trabalhos, por suas particularidades e também por sua versatilidade e durabilidade, entre outras características. Tecnicamente todos os tipos desse material são constituídos de ferro ou de aço, porém podem apresentar particularidades e levar a resultados diferentes.

No momento da concepção de seu trabalho, muitos artistas escolhem os materiais que mais se adaptem a seu desenho e à sua imaginação. É importante que o material expresse da maneira mais correta possível a imagem que o artista desenhou ou idealizou, e que deverá realizar. O processo criativo se manifesta de várias maneiras e não há uma regra determinada, algo que estabeleça ser esta ou aquela a forma apropriada de trabalho de um artista. Muitos criam sua imagem virtual mental e passam esta imagem para o papel, para depois transformar essa imagem em um objeto tridimensional. Outros já tem uma ideia clara da imagem do seu projeto e vão direto para a fase de execução. Estas são as duas formas mais comuns de produção no processo criativo.

Uma obra pode resultar melhor ou pior que aquilo que o artista imaginou, e é isto o que determina a qualidade e as características de cada artista: a sua habilidade de transformar o impalpável imaginário em um objeto de arte.

Nem sempre o material está claramente ligado ao projeto final, e muitos nem sabem muito quais materiais irão usar. Outros usam várias matérias-primas, de acordo com cada ideia, ou de acordo com cada projeto. Outros, ainda, utilizam apenas um determinado material, até exaurir o limite de sua plasticidade.

O ferro e o aço são os materiais mais fáceis de trabalhar por meio de soldas. Depois dessa fase eles podem receber um tratamento como a pintura ou não, como no caso do aço corten. O aço inox já é mais sofisticado em termos dos acabamentos, tendo em vista as dificuldades para realizar a sua solda.

Os artistas dão ao ferro e ao aço os mais variados tipos de trata- mento: a pintura, o envernizamento ou, ainda, diversos tipos de lixamento. Em suas obras monumentais, o norte-americano Richard Serra costuma usar o aço corten. Esse tipo de aço tem como principal característica a oxidação de sua superfície. Ele adquire, assim, uma película enferrujada em sua superfície, uma espécie de proteção ante o processo natural de corrosão.

Já o brasileiro Franz Weissmann (1911-2005) optou, em sua trajetória, pela pintura como acabamento de suas esculturas em aço.

O aço inox, por sua vez, permite projetos mais sofisticados, tanto em termos de dificuldade de realização como de plasticidade e acabamento, além dos vários tipos de lixamento ou polimento.

Artistas como o argentino León Ferrari (1920-2013) usaram barras de aço inox soldadas de modo a constituir elementos de arte ótica (a chamada optical art). Quando nos movimentamos em torno da escultura, cria-se uma ilusão de ótica. Trata-se do efeito chamado paralaxe, que confere a um objeto estável um misterioso e criativo movimento, com infinitas combinações.

Sempre gostei muito da arte concreta brasileira, e particularmente do mineiro Willys de Castro (1926-1988), que foi um dos meus “gurus”. Pintor, escultor, cenógrafo, poeta e artista gráfico, era uma pessoa com enorme lastro cultural e seu trabalho era de um incrível rigor na execução técnica. Dentro do movimento chamado Neoconcretismo, Willys desenvolveu um trabalho ótico todo particular. Seu discurso a respeito do plano e do espaço sempre questionou as propriedades do olhar.

Outro caso extraordinário é o do artista Indiano britânico, Anish Kapoor. No inicio deste século, ele foi o ganhador do concurso para fazer a escultura central da AT&T Plaza, no Millenium Park, na cidade de Chicago. Kapoor realizou então, para esse local, a escultura The Cloud Gate, cuja ideia principal é retratar o mercúrio em estado liquido.

Esse trabalho demandou uma produção muito complexa, para um resultado simplesmente espetacular. Inicialmente não se acreditava ser possível construir a escultura, mas em 2006, após anos de pesquisas e de um atraso em seu acabamento, a peça foi finalmente inaugurada. O trabalho surpreende tanto pela ambição de sua construção como por sua forma, que impôs grandes dificuldades na execução das soldas. Porém, em seu acabamento fantástico é praticamente impossível perceber qualquer tipo de emenda, além de a obra ser totalmente polida, assumindo a aparência de um espelho. Nela foi usado o grau máximo que o aço inox permite como reflexão. Construída com 168 placas de inox, a obra mede 10 x 20 x 13 metros de altura e pesa 99.5 toneladas.

Pessoalmente, sempre fui aficionado pelo uso do aço inox, sobretudo pelo brilho que esse material apresenta. Eu o inclui em muitos projetos de esculturas e mesmo em desenhos, como um signo de durabilidade e também por sua capacidade de refletir as imagens à sua volta.

Em 1969, realizei uma série de desenhos ou montagens, sendo um dos trabalhos selecionado para a IX Bienal Internacional de Arte de São Paulo naquele ano. Trata-se de uma caixa de acrílico com um desenho em nanquim, além de pintura em tinta acrílica. No plano da frente, perpendicularmente ao papel, temos nove lâminas de aço inox, que funcionam como espelhos, conferindo reflexos ao desenho e criando um novo espaço e nova perspectiva e geometria para o trabalho.

Quando executei o projeto arquitetônico da sede da Vivo, em São Paulo, além de desenhar o edifício e também a sua “antena” (a torre de comunicação), sugeri que no átrio principal fosse colocada uma escultura de algum artista plástico proeminente.

Porem, o presidente da Vivo, Francisco Padinha interpelou-me da seguinte maneira: “Mas, Edo, você também é um artista, pois desenhou a nossa torre! Por que, então, não faz também uma escultura para o hall?”.

Assim, encarei o desafio de conceber e executar uma escultura de 28 metros de altura. Desde o inicio, uma das coisas certas era que a obra deveria ser em aço. Comecei a pensar no desenho, realizando vários estudos em papel para o projeto dessa enorme escultura destinada ao saguão de entrada do grande prédio de sete andares. No final do processo, os vários estudos viraram tema de uma exposição, inaugurada juntamente com o prédio da Vivo. Era composta de desenhos e esculturas que alinhavam as ideias para o projeto da escultura principal. Foram expostos 34 itens, entre desenhos e esculturas em aço inox, no Espaço Cultural Vivo de São Paulo, em novembro de 2004.

Essa exposição constituiu um momento especial em minha trajetória, uma oportunidade rara, pois além de desenvolver o projeto de arquitetura, arquitetura de interiores da nova sede de uma grande corporação como a Vivo, realizei em paralelo uma exposição individual de arte, além da escultura monumental no saguão de entrada.

Aspectos da exposição podem ser vistos em: https://edorocha.com.br/artes/

Com esta exposição pude revelar, enfim, as ideias que serviram para que eu chegasse ao projeto final da escultura do hall de entrada, experimentando assim o desafio da criatividade. Uma série de pequenas esculturas formou uma coleção de esboços para prédios futuros. Talvez um dia eu consiga transformá-los em realidade.

Porém, a ideia da escultura central só avançou de fato quando ficou claro para mim, depois de vários desenhos, que a escultura não poderia ser algo gratuito, como um feixe de formas de bela aparência, e sim algo que tivesse um sentido relacionado a transformação da comunicação através da telefonia, móvel e da internet. Então, pensei “O que é, exatamente, o telefone celular?”. Trata-se de um telefone sem fio e que também se conecta a Internet, ou à Web (o significado da palavra web é, justamente, “teia de conectividade”).

Com a associação e organização de ideias em torno desses aspectos que envolvem o tempo e o infinito, uma série de desenhos começou a se combinar para dar forma à escultura.

O principal elemento foi a ideia do telefone sem fio, que vem da infância de muitos de nós, e que de “sem fio” não tem mesmo nada. Era constituído, simplesmente, de duas latas sem tampa interligadas por um barbante. A energia da voz dentro da primeira lata, como um sistema de Horn, era transmitida pelo fio para a outra lata, e então se escutava alguma coisa.

Parece que a tecnologia mudou um pouco, e somente há alguns anos jamais poderíamos imaginar os artefatos de hoje. Estamos plenamente em um mundo digital no qual o telefone tem, sobretudo, a função de nos ligar com o mundo, pois além de falar, somos conectados com o globo inteiro por meio de uma imensa quantidade de aplicativos. Ao integrar as pessoas, esses aparelhos e programas diminuíram significativamente o tamanho do mundo. Aparentemente estamos mais próximos, porém ao mesmo tempo muito mais isolados uns dos outros.

Passa justamente por tais aspectos a “explicação” de minha escultura no saguão da Vivo os diversos cabos verticais em paralelo, presos aos tubos sólidos de aço, nos transmitem a sensação de interligação ao espaço infinito (a nuvem, ou cloud). Já as telas, ou telas, posicionadas no centro da obra, simbolizam as inúmeras conexões possíveis no complexo interior de uma rede de comunicações, ou a Web.

No teto eu gostaria de ter colocado um revestimento total de espelhos, que refletiriam assim partes da escultura e nos transmitiriam uma sensação de infinito, duplicando todo o espaço à volta. Nesse ponto, porém, a complexidade da execução de tal ideia me fez parar.

Toda obra de arte pode ser vista como “inacabada”, pois essa noção faz parte da liberdade do artista, uma vez que, afinal, a obra lhe pertence. Porém, a ideia está organizada em termos de forma e plasticidade, e sua simbologia precisa ser facilmente compreendida. Certo dia, quando eu estava explicando a obra para uma pessoa, ela exclamou: “Agora eu entendi a escultural”. Bem, nem toda obra de arte deve ser acompanhada de uma explicação, mas, se esta existir, obviamente ajudará no processo da contemplação. Porém, a explicação deve ser simples. Se, ao contrário, for muito longa e complexa, seria melhor escrever uma carta em lugar de executar a obra.

A Copa do Mundo de Futebol no Brasil em 2014 levou-me à ideia de produzir uma escultura composta por uma forma simples e de fácil compreensão, capaz, no entanto, de tornar-se um arco para o grandioso evento.

A simplicidade provoca a imaginação, e, ao permitir mais de uma interpretação, estimula a dualidade que se manifesta naturalmente na percepção do ser humano, como “dia & noite”, “claro & escuro” etc. Sem essa noção de dualidade, nossa percepção não conseguiria distinguir o fundo da figura e não conseguiria caracterizar um cenário. A forma perderia, então, o seu significado.

A intenção da obra por mim imaginada foi sintetizar o significado e o pensamento em uma forma simples, que permaneça, porém, no imaginário das pessoas como uma visão inesquecível. Colombo colocou um ovo em pé e ninguém jamais esqueceu.

A “bola da vez”, a bola da Copa, ou a arte da bola, seria então a ideia de uma escultura com vários significados. Porém sua forma teria de provir da História, de maneira a criar uma simbologia, por meio de uma imagem capaz de tornar-se um marco e uma marca. Uma escultura que integre, enfim, a arte, o futebol e o Brasil.

A intenção é, portanto, criar o maior impacto visual possível com a projeção internacional de uma imagem verdadeiramente nacional. A forma do dodecaedro é um dos cinco sólidos platônicos. Formada por doze pentágonos e vinte hexágonos, essa figura representava o Cosmos para o filósofo Platão. Luca Pacioli, além de um grande matemático renascentista, assinou a primeira obra impressa sobre os critérios da escrituração mercantil e contabilidade: o livro Partidas Dobradas, de 1494. Amigo e professor de Da Vinci, Pacioli também escreveu Da Divina Proporção, livro ilustrado por Leonardo e impresso em 1509.

Por associação, a forma geométrica do dodecaedro é o desenho originalmente usado para se estruturar a forma esférica da bola oficial de futebol.

Pacioli foi um adepto da concepção platónica de que a cada elemento da natureza corresponde um poliedro regular. Assim:

-Fogo / Tetraedro;

– Terra / Hexaedro,

– Ar / Octaedro,

– Água / Icosaedro, e

– Quinta Essência / Dodecaedro

Como o dodecaedro não pode ser formado sem a aplicação da chamada razão áurea, o matemático compara a necessidade dessa razão (para formar este poliedro) com a necessidade de Deus de criar e formar o universo: “Deus insufla a vida no Cosmos através da quinta essência, nos quatro elementos terrestres e em todas as coisas da natureza, revelando a vida da divina proporção, o docadeadro”.

Muitas bolas de futebol exibem o belo desenho geométrico do dodecaedro. Mas as pessoas desconhecem a origem, a história desse desenho platónico. Durante a Copa do Mundo e em seus eventos comemorativos, imagino que a bola poderia ser exibida nas cores verde e amarelo, que são as cores do Brasil, mas também nas cores dos outros países participantes do evento. Dessa maneira, a esfera seria também um símbolo da integração de todos os países. A escultura nos estimularia, então, para o pensamento de um futuro, de uma imagem do século XXI ainda a ser vivido e constituiria, enfim, uma peça plenamente conectada com o seu tempo. E em cada novo dia do ano, dependendo da inclinação do sol, teríamos em suas superfícies uma nova resposta de reflexos e luzes, como símbolos da vida e do universo, agregando ao mesmo tempo às percepções do espectador o fascínio da sensação de uma interiorização do ser.

Um caleidoscópio do futuro e das intermináveis mudanças ao longo da história do homem, convocando sentimentos em torno da criação de riquezas e de projeções do futuro.

 

Esse texto é o capítulo 5 do livro Arte, Arquitetura e o Aço, de Edo Rocha (2014)